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Emancipação política

Uma semana para celebrar 133 anos de diversidade cultural de Caxias do Sul

Aniversário com variedade de atrações no calendário e de origens no povo

Colunista - Redação

Redação

redacao@serraempauta.com
10.06.2023 - 10h36min

Lucas Munaretti/Divulgação
Foto Principal - Notícia

Caxias do Sul comemora na semana de 14 a 20 de junho o aniversário de 133 anos de emancipação política. Para a celebração, a administração municipal preparou uma farta programação disponível no link. Alunos e professores do curso de gastronomia do Senac vão preparar um bolo gigante sabor baunilha recheado com doce de leite e chocolate. As fatias serão distribuídas à população na Praça Dante Alighieri, dia 20, às 15h.

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Mais do que pelo próprio significado, a data merece lembrança quando, com certa frequência, muitos dos próprios caxienses tendem a esquecer de que matéria é feita Caxias. Um bom indício pode estar em uma escola, como tantas outras, de um bairro industrial do município.

Dos 642 estudantes matriculados na Escola Municipal de Ensino Fundamental Marianinha de Queiroz, 52 são estrangeiros – ou têm origem estrangeira. Quase 10% do total. Quase duas salas de aulas cheias. Não é uma exceção na rede municipal de ensino, onde há aproximadamente mil crianças e adolescentes que não falam português (o número não para de crescer). Alguns estão aprendendo. Outros estão ensinando professores a arranharem os rudimentos do espanhol, do francês, do wolof ou do creolle. Inglês quebra o galho para os dois lados.

Não é sequer o caso mais expressivo entre as escolas mantidas pela Secretaria Municipal da Educação (Smed). A vizinha Escola Abramo Pezzi, por exemplo, ostenta número ainda maior de venezuelanos. Mas é na variedade das bandeiras internacionais que o Marianinha se destaca. Reunidos para um bate-papo sobre as experiências e vivências em solo caxiense, alunos e familiares de diversas origens fazem a biblioteca da escola do Bairro São Cristóvão adquirir dimensões globais.

"A vida do imigrante é dor e sofrimento", proclama o haitiano Teófilo Milissete, o mais extrovertido e porta-voz não oficial do grupo.

Mas nada nem perto da filha, estudante do 2º ano – esta sim, um fenômeno. Não só da capacidade pessoal de comunicação. A espertíssima Maria Luisa Padilha Milissete se constitui em um exemplar cada vez mais raro de caxiense: é nascida em Caxias do Sul. E representa o futuro do município que se orgulha de possuir e exibir, em um de seus principais acessos, um monumento nacional dedicado ao imigrante.

(Para quem está preocupado com o quão estranho possa ser este futuro, eis a imagem: uma jovem com o cérebro funcionando a 200 quilômetros por hora e um pai fazendo o que pode para alcançar. Soa familiar?)

"Trabalho existe, mas é difícil. Muito difícil. Tem que persistir, porque você sabe que a sua mãe, seus irmãos, todo mundo que ficou para trás está contando com você", afirma.

Ao contrário do que alguém possa imaginar, portanto, o imigrante não renuncia a uma imensa fatia da própria vida para se livrar de bagagem indesejada. Mas para carregar mais.

"Ninguém deixa sua casa, seu país e sua família para trás porque quer. Quando você sai, você assume a responsabilidade sobre todos os que ficam. Até para decidir o dia em que enterram quem morre, porque depende do seu dinheiro. E você sabe que não vai conseguir voltar para se despedir", descreve Teófilo.

Barriga cheia, criança feliz

Sempre pode haver um nível adicional de complicação para quem toma a (mais dura do que parece) decisão de tentar a vida em um país desconhecido. Segundo Yordany Moises Ramires Bonalde, marido de Luisanny Del Valle Ramires Morero e pai de Angel David e Moises David, é um pouco mais fácil de se encaminhar a documentação necessária para a regularização e busca de trabalho no Brasil para os emigrados do Haiti. Quando se é venezuelano é que a coisa complica.

"Há casos muito urgentes e a dificuldade para se conseguir a legalização é enorme. Chega a demorar seis meses para quem vem da Venezuela. E enquanto isso, não se consegue trabalho. O refugiado é uma pessoa sem documentos", explica.

Residente nacional há cerca de três anos, apenas há poucos meses Ramírez conseguiu regularizar a papelada. E entrar para um segmento de trabalhador que está gravado a fogo no código genético de Caxias do Sul: o dos metalúrgicos. Até conquistar a vaga, porém, foram tempos de luta pela sobrevivência em borracharias, postos de combustíveis e lavagens de carro.

"Foi um pouco mais difícil para quem chegou no meio da pandemia", revela.

E um pouco mais difícil para quem cruzou a linha da Venezuela com o Brasil por Pacaraima, em Roraima. Aí, o relato se assemelha ao de um cenário de guerra – que muitos brasileiros, nativos ou não, se acostumaram (e isso, talvez, seja um problema) a ver em fartas doses nas imagens de noticiários, nos últimos três anos. Luisny Kariny Benavente Rojas passou três noites dormindo nas ruas da cidade fronteiriça antes de ser acolhida. Não foi exatamente um alívio.

"Vi horrores acontecendo no abrigo".

Horrores no modo turbo: sozinha, Luisny trouxe sob sua vigília os filhos Luisangely, 13 anos, Yosneiker, 10, Yosneiber, oito, Yosneider, cinco, e Yosnir. quatro. O pai das crianças ficou para trás.

"É uma decisão muito difícil para uma mãe".

Que foi tomada, para Luisny, quando o caçula foi diagnosticado com desnutrição (cujos sintomas exibe no corpo franzino) e o segundo mais novo da fila desmaiou de fome pela segunda vez. Outras duas crianças padecem de uma hérnia e complicações glandulares jamais tratados adequadamente.

Ela está realizada com o que encontrou em Caxias.

"A educação é muito melhor aqui. Na escola eles têm comida. Todos os dias. A escola liga para ver o que passou se um deles falta à aula. E nos ajudaram com roupas e cestas básicas. Até uma pessoa nos acolheu na moradia dela sem pedir nada em troca", revela.

No que depender de Luisny, entretanto, o improviso tem data de validade para terminar.

"Somos muito gratos. Muito gratos. Mas não queremos viver de favor. Sou trabalhadora. Quero trabalhar".

Em uma cadeira a poucos metros de distância, na biblioteca da Marianinha de Queiroz, no Bairro São Cristóvão, Jorge Alejandro Zapata Garcia acena positivamente com a cabeça para as palavras da compatriota. Ao mencionar o filho de 14 anos, comenta:

"Santiago, o meu mais velho, até já esqueceu como é passar fome".

A caçula Alejandra Raquel, estudante do 1º ano, ainda chora. Mas o motivo agora é outro:

"Ela acorda a casa toda para vir para a escola", ri o pai.

Não é caso isolado.

Yordani Moises Ramires Bonalde traz informações similares sobre os filhos Angel e Moises.

"Eles querem vir para a escola até no sábado e no domingo".

O riso se espalha pelo recinto, pois a situação é idêntica em todas as casas.

Zapata, que perdeu 40 quilos para a fome na Venezuela, cala o grupo ao externar o sentimento que une cada uma das famílias na sala:

"Para o migrante, pátria é o povo que te dá pão".

'Todo mundo ganha alguma coisa'

Para professores e equipe diretiva da Marianinha de Queiroz, a súbita chegada de tantos sotaques diferentes tem sido um desafio constante. A maioria das crianças em idade de alfabetização traz – naturalmente – a língua materna como primordial. Vários apresentam algum nível de comprometimento – físico ou mental. E aí já surge um primeiro choque de realidade.

AEE, as três letrinhas, que quase qualquer família com crianças em idade escolar sabe que remetem à Atendimento Educacional Especializado, são uma novidade completa para vários dos recém-chegados. Alguns jamais passaram pelo serviço nos países de origem. Muitas vezes, porque ele sequer existe. E ao desembarcarem em Caxias, para muitos deles, o mundo se abriu.

"Temos o caso de um estudante com autismo que foi rejeitado em todas as escolas por onde passou na Venezuela. Ele não tinha sequer o diagnóstico quando chegou. Agora está totalmente vinculado com os professores. Temos outra que achavam que tinha deficiência, porque falava rápido demais, e, na verdade, agora ela está sendo investigada para superdotação e altas habilidades. Há outro, também com autismo, que sofria muito quando se desorganizava, e agora se maravilha lendo em português. A mãe chegou a chorar quando viu", relata a professora Vivian Antunes da Silva, encarregada do atendimento de muitos dos alunos estrangeiros.

Não é fácil. Para lado nenhum. Vivian não esconde o receio de não dar conta da missão. O abismo que separa a novidade da zona de conforto. Mas revela que as recompensas são proporcionais.

"Há um espanto com a parte amarga, mas uma alegria muito grande com a parte boa. Uma mãe deixou de se desesperar pela primeira vez quando chegou aqui e viu que havia estrutura e protocolo para lidar com alunos especiais. Temos a Marie, que chegou nos anos iniciais falando creolle, francês, espanhol. E arranhando o inglês. Em quatro meses de trabalho, ela já estava lendo em português".

A diretora Arlete Maria Pasquali aponta um traço característico dos emigrados.

"A disponibilidade e o interesse das famílias. Eles valorizam muito a escola. Os pais são muito presentes".

Do outro lado, os estudantes brasileiros há mais tempo retribuem com curiosidade e satisfação em descobrir as diferenças na vida e nos lugares de origem dos novos colegas.

"As trocas são extremamente positivas para o aprendizado. Todo mundo ganha alguma coisa", ensina Arlete.

O que há em comum

133 anos após a emancipação política e 148 anos após o início da colonização italiana, mãos de muitos matizes e de todos os tipos de calos sabem o que fazer com as cartas – sejam as de uma partida de escova, bríscola, ou aquelas que a vida dá. E não é só no dialeto típico das famílias que chegaram depois dos primeiros habitantes da região que se pode lamentar pelo lance de má fortuna. Na Caxias de 2023, a mesma farinha de milho que é matéria-prima da polenta também se transforma em arepa.

"É claro que todos sentem saudade. É claro que todos pensam em voltar para seus países um dia. Mas agora estamos aqui. Nossa vida é aqui", afirma o haitiano Teófilo Milissete.

Às vezes, quem chega de longe apenas com a roupa do corpo, uma malinha modesta, a certidão de nascimento e a ânsia por conseguir um emprego pode até se tornar prefeito.

A vontade de conquistar o próprio sustento e ver o filho dormindo feliz de barriga cheia parece unir quilômetros e hemisférios de distância.

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