Ricardo Fabris de Abreu, analista judiciário federal e ex-vice-prefeito de Caxias do Sul
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30.06.2022 - 08h55min
Caxias agitou-se com o PL 1/2022 de autoria de 16 Vereadores que almejam acrescentar à Lei Orgânica o art. 124-A e obrigar a execução orçamentária e financeira de suas emendas individuais. Isso significa que propostas apresentadas pelos Vereadores ao projeto de lei orçamentária, que é discutido na Câmara pelos próprios Vereadores, direcionariam recursos para obras e ações escolhidas por esses mesmos Vereadores. Ex: o Vereador Batman apresenta uma emenda ao orçamento, destinando R$ 25 mil para cascalhar uma estrada que, por acaso, passa defronte ao sítio do eleitor Robin.
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O PL obrigará o Executivo Municipal empenhar e executar tais emendas até o limite de 0,66% da receita corrente líquida prevista no projeto de orçamento encaminhado à Câmara, com 50% desse percentual destinado a serviços públicos de saúde. Fosse 2021, R$ 13 milhões, correspondentes a R$ 600 mil por ano, ou R$ 50 mil por mês, a cada Vereador.
A justificativa dos proponentes é prosaica: o bem-estar da população, a matéria já ter sido aprovada noutros Municípios e, claro, tratar-se de emenda legal e constitucional, como se fosse possível ser diferente.
De fato, o texto está em consonância com a EC 86/2015 (Emenda Constitucional), que acrescentou os §§ 9˚ a 18 ao art. 166 da CF/88, que trata do orçamento impositivo, e com a EC 100/2019, que alterou os arts. 165 e 166, para obrigar a execução da programação orçamentária proveniente de emendas de bancada nas Assembléias dos Estados e do Distrito Federal e daí, por simetria, às Câmaras Municipais.
Como está, o PL 1/2022 tem falhas que serviriam para derrubá-lo judicialmente logo ali adiante, como tentar estabelecer que a alegação de indisponibilidade financeira não constitui impedimento técnico à execução (§ 10, I), tanto é que foi providencialmente retirado da pauta de votação na véspera da audiência pública que discutiria o assunto, esvaziando o debate, e logo voltará repaginado. Mas o que se deve entender é que ser legal nem sempre corresponde a ser moralmente aceitável, e o que efetivamente motiva os nobres pares.
Como sempre, tentarão convencer, às vezes aos gritos e socando a mesa, que se trata de um projeto agregador, que a população acompanhará o destino da verba, que, aliás, será fiscalizada por eles mesmos, que nenhuma entidade ligada aos Vereadores ou seus eleitores será beneficiada e que a intenção é institucional, a prosperidade do Município de Caxias do Sul. Aplausos, mas lembremo-nos que "o caminho do inferno está pavimentado de boas intenções" (Karl Marx, O Capital I, 1867).
De acordo com a CF/88, art. 165, a emenda parlamentar é o instrumento que o congressista tem para participar da elaboração do orçamento anual da União, aperfeiçoá-lo e ajudar suas bases eleitorais. É o momento para destinar recursos para ações específicas de uma região, e até 2015 a efetivação ou não das emendas, que não era obrigatória, baseava-se muitas vezes em decisões políticas, o "toma lá, dá cá".
Mas se os Vereadores não têm "base eleitoral municipal", visto que não são eleitos pelo voto distrital, mas por um coeficente eleitoral dos votos obtidos pelo seu partido, ou seja, servem a todos os municípes, e ademais já têm a função constitucional de votar a lei orçamentária e fiscalizar a sua correta aplicação, porque querem ter um pedaço do orçamento para chamar de seu?
Não se duvide das boas intenções, mas por detrás delas há a percepção que servir a todos é complicado e difícil, custoso demais, republicano demais, ideológico de menos, e que melhor convém agradar alguns Robins que se satisfazem com o asfaltamento da estrada que leva ao seu sítio, vão ao plenário gritar quando convocados, e ignoram os grandes problemas que Caxias enfrenta.
Tantos Robins quantos bastem para assegurar a reeleição.
Ricardo Fabris de Abreu, analista judiciário federal e ex-vice-prefeito de Caxias do Sul.
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