Antônio Braga: 'É difícil encontrar pessoas preocupadas com o amanhã de um lenhador.'
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19.06.2023 - 07h07min
Bah, foram tantos invernos! Uns de tiritar o queixo; outros, nem tanto com a melhora dos meios de sobrevivência. Em todos, uma igualdade: eles recuperam um pouquinho por dia os raios de luz perdidos no Outono. É a esperança de um tempo melhor. Nesta semana começa mais um Inverno. E, como sempre, as mazelas sociais dão as cartas de um lado; de outro, os dias de uma vida boa que flanam pensamentos. Também ganha dimensão a compaixão em favor de desvalidos, ainda que só exista um Martinho de Tours. Apesar de tudo, o Inverno acaba em inspiração para uma porção de coisas. Por exemplo, uma crônica! Como a crônica de um adolescente.
O nome da rua era uma homenagem a um líder maragato. Uma carga de lenha foi despejada na frente da morada. As achas eram contadas em milheiro. Um monte, enfim. Era lenha para muito fogo contra o frio de uns. Na adolescência, já partindo para a maioridade, lá foi o lenhador. Ele era o empreiteiro a recolher aquelas lascas para empilhá-las no pátio da casa.
O carrinho de mão chega a um ponto em que cansa os braços. É muita lasca. Naquela empreitada das lenhas nunca esteve, no pensamento, algo que apontasse para o futuro. Recolher lenha não tira pedaço de ninguém, claro! A ninguém, também, lidar com achas é garantia de futuro. Lenhador é lenhador! Parece que ninguém se importa com ele. Nem é um bom-dia ou uma boa-tarde que ele espera. É o amanhã!
É difícil encontrar pessoas preocupadas com o amanhã de um lenhador. Elas nem querem saber se ele sonha com um sistema regular de ensino, até a faculdade, ou com um emprego regular remunerado com decência. Muito mais do que um bom-dia, uma boa-tarde, ele espera atenção, valorização, reconhecimento, talvez, um gesto próprio daquelas pessoas que entendem de pessoas, que entendem de ser cristão.
São poucas as criaturas que ocupam esse trono. Ainda que não sejam militantes políticas, sociais, religiosas, elas, todavia, existem. E são marcantes! E dedicam o que têm, a sua sensibilidade, para canalizar o seu apoio em forma de atenção para pavimentar futuros de outros seres.
Naquela tarde, um sábado, o Sol já se fazia pender no horizonte, eis que surge uma pessoa graduada como tal. Trouxe com ela um pratinho "chique do úrtimo". Dentro, uma fatia de torta. Com mistura! Era a sua atenção.
A torta acabou. O pratinho, de certo, nem existe mais. A lenha ganhou o seu destino. A casa deu lugar a outra. E o gesto daquela criatura ainda está vivo! O importante nem era a torta. Era aquele algo que ela trazia. Algo que estava no recôndito de sua alma tipo valorização a um outro qualquer.
Sobre Martinho de Tours, trata-se de um santo venerado pela tradição católica. Martinho era um soldado romano que, ao encontrar um mendigo tiritando de frio, apanhou a própria capa, dividiu-a em duas e deu a metade ao homem com frio. Depois, ao ter uma visão, Martinho descobriu que o mendigo era Jesus. Desse tamanho de Martinho, enfim, são poucos os que oferecem parte de sua própria capa ou, quiçá, uma fatia de torta a um semelhante.
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